O Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), centro de ensino e pesquisa na área de engenharia de Santa Rita do Sapucaí (MG), finalizou em abril, deste ano, o desenvolvimento de um aparelho de radiocomunicação capaz de apoiar o estabelecimento de redes sem fio privativas em áreas remotas, usando o padrão de comunicação Long Term Evolution (LTE), ou evolução de longo prazo, mais conhecido como 4G.
Essas redes wireless (sem fio) permitem transmitir dados e voz, tornando viável a conexão de máquinas e equipamentos em operações de internet das coisas (IoT) e a transformação digital de negócios em diversas áreas, entre eles unidades de produção agropecuária, usinas de açúcar e álcool, mineradoras, concessionárias de energia, empresas de infraestrutura de óleo e gás. Até forças de segurança pública instaladas em regiões do território brasileiro não atendidas pelas operadoras de telecomunicações podem se beneficiar da inovação.
O LTE Network-in-a-Box, ou rede numa caixa, a inovação do Inatel, foi criado em três versões, para operar nas frequências 250 megahertz (MHz), 700 MHz e 1.800 MHz. Quanto menor a frequência, maior é o alcance do sinal – em condições ideais, uma transmissão em 250 MHz pode atingir até 100 quilômetros (km), enquanto uma de 1.800 MHz chega a 5 km.
Segundo Henry Rodrigues, coordenador de tecnologia e inovação do Centro de Referência em Radiocomunicações (CCR) do Inatel, a versão de 250 MHz é a mais madura. Ela se encontra em fase final de testes de validação e já foi firmado contrato com um parceiro, ainda mantido em sigilo, que fará sua industrialização e comercialização.
Rodrigues avalia que a versão de 250 MHz é a que deverá atrair mais interesse do mercado em função da regulamentação brasileira de telecomunicações, que permite operar essa frequência apenas com uma licença de Serviço Limitado Privado (SLP) da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
As demais faixas do espectro de radiofrequência dependem de licitação pública. As licitações para todo o espectro de frequências do 4G foram iniciadas em 2012 e contratadas pelas operadoras de telefonia, que utilizam equipamentos das multinacionais Nokia, Ericsson e Huawei.
Uma rede LTE privativa pode atuar em circuito fechado, como uma intranet, ou ter um ponto de entrada para um sinal de internet obtido via satélite, cabo ou links de rádio ponto a ponto. A tecnologia desenvolvida pelo Inatel agrega as duas funcionalidades que compõem uma rede LTE em uma única caixa.
A primeira é a estação rádio-base, que é a rede fixa de acesso, com a função de captar e retransmitir o sinal dos dispositivos conectados. A outra funcionalidade é o núcleo da rede integrada, a central de instrumentos que controla as estações rádio-base. “Na maioria dos equipamentos disponíveis no mercado internacional, as duas funcionalidades operam em separado”, explica Rodrigues. “Na nossa solução, as funções do núcleo da rede são realizadas por um software embutido na estação rádio-base.”
Outra característica do LTE Network-in-a-Box, segundo o coordenador do CCR, é a facilidade com que pode ser realizada sua atualização tecnológica. “No futuro, os usuários do LTE Network-in-a-Box que quiserem migrar para o padrão 5G terão que fazer apenas uma atualização de software. Não haverá necessidade de fazer a troca do equipamento”, afirma Rodrigues.
Pioneirismo do CPqD
Equipamentos para redes LTE para atendimento de áreas remotas também são inovação no mercado internacional e precisam ser desenvolvidos de acordo com a frequência disponibilizada em cada país para esse segmento de mercado.
Na maioria dos países da América Latina é a frequência 450 MHz que atende áreas remotas. Essa frequência também foi a escolhida inicialmente pela Anatel e seria uma incumbência das operadoras de telecomunicações que venceram os leilões do 4G oferecer a solução, mas não prosperou – em parte por falta de interesse das empresas, que acabaram derrubando a exigência na Justiça. A alternativa foi utilizar a frequência 250 MHz, regulamentada pela Anatel para redes privadas, por meio de licenças SLP.
O primeiro equipamento para redes LTE rurais no Brasil foi concebido para a frequência 450 MHz por pesquisadores do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), de Campinas (SP), em 2012, e, posteriormente, transferido para seu parceiro comercial, a Trópico Telecomunicações.
Segundo Armando Barbieri, gerente de marketing de produto da Trópico, uma segunda versão em 700 MHz, cujo alcance varia de 10 km a 15 km, foi desenvolvida para atender uma demanda do Exército brasileiro. Ela chegou a ser utilizada em uma rede exclusiva de defesa e segurança pública para fazer a vigilância dos eventos em Brasília relacionados à Olimpíada.
Uma terceira versão, agora em 250 MHz, permitiu à Usina São Martinho, produtora de açúcar e álcool, conectar 2 mil veículos agrícolas em suas unidades produtivas no interior paulista (ver Pesquisa FAPESP nº 287). “Já temos contratos com mais quatro clientes do agronegócio e um primeiro contrato fechado na área de logística ferroviária”, informa Barbieri.
Paulo Bernardocki, diretor de produtos e tecnologia da sueca Ericsson, observa que as operadoras de telecomunicações, após focarem no mercado massivo de smartphones, vêm incrementando seus esforços comerciais para atender também o segmento de redes LTE privativas, oferecendo suas frequências obtidas em licitação.
Um exemplo é o acordo da operadora de telefonia Vivo para implementar redes LTE em todas as unidades da mineradora Vale, começando pela mina de Carajás, no Pará, permitindo a operação remota de caminhões e perfuratrizes – a rede existente em Carajás foi implementada pela companhia finlandesa Nokia. “A vantagem das companhias de telecom é que elas possuem expertise na construção e operação de redes e uma ampla equipe para solucionar rapidamente problemas de manutenção que porventura surjam”, diz o executivo.
Segundo Bernardocki, é justificado o interesse pelas redes privativas LTE em um país extenso com várias áreas sem cobertura adequada de telecomunicações. No entanto, a migração para o padrão 5G é inevitável. “A velocidade de transmissão é 100 vezes maior e a latência, o tempo de resposta para uma demanda, é de 5 milésimos de segundo, um décimo do 4G”, compara o executivo.
Essas características vão abrir a possibilidade de novas arquiteturas tecnológicas. “Vamos ter drones com câmeras sobrevoando uma plantação, processando a imagem na nuvem, identificando pragas, utilizando inteligência artificial e aplicando a pulverização em um voo único, antes da volta à base”, projeta Bernardocki.