Tornar a agricultura cada vez mais conectada é um dos principais desafios da pesquisa agropecuária. As tecnologias digitais são a grande aposta para a transformação da agricultura brasileira. Com base em conteúdo digital, tecnologia de ponta e conectividade, características da era digital, em breve as fazendas inteligentes integradas farão parte do dia a dia do produtor brasileiro.
Pesquisas em inteligência artificial, aprendizado de máquina, automação e robótica, blockchain (corrente de blocos) e criptografia para rastreabilidade, internet das coisas (IoT, na sigla em inglês) que permite a comunicação entre máquinas, plataformas digitais, processamento em nuvem e visão computacional são alguns exemplos de estudos que a Embrapa desenvolve, em parceria com universidades, institutos de pesquisa e o setor privado, com foco na agricultura digital.
Sensores, drones, aplicativos, softwares e sistemas de gestão, imagens de satélites, tratores, pulverizadores e colheitadeiras automáticas já são realidade no meio rural. Mas com a geração cada vez mais intensa de dados e informações, serão necessárias novas tecnologias de informação e comunicação, as TIC, para analisar tudo isso, interpretar e trazer soluções integradas que ajudem o produtor a tomar decisões rapidamente e com menor custo, de acordo com a chefe-geral da Embrapa Informática Agropecuária (Campinas, SP), Silvia Massruhá.
As tecnologias disruptivas têm um potencial imenso de aplicações em todas as atividades, passando pelo plantio, manejo, colheita e pós-colheita. Elas abrangem todas as etapas do processo produtivo, desde a pré-produção, conhecida no setor agro como “antes da porteira”, passando pela produção, ou “dentro da porteira”, até a pós-produção, chamada de “depois da porteira”. Incluem sensores para análise do solo, estações agrometeorológicas automatizadas, imagens de satélites de alta resolução para monitoramento agrícola e florestal, sistemas e aplicativos voltados à estimativa de produtividade, rastreabilidade e certificação dos produtos agrícolas.
Os benefícios podem abranger todas as cadeias produtivas agrícolas, com a incorporação de inovações e a interação entre os elos das cadeias, impactando os produtores rurais, fabricantes de insumos, processadores, distribuidores e consumidores. “O processo de transformação digital nas propriedades rurais não é mais uma opção, é um caminho imprescindível para tornar a agricultura brasileira mais competitiva e com maior agregação de valor”, afirma o pesquisador da Embrapa Informática Agropecuária Édson Bolfe.
Além de aumentar a produtividade agrícola, com a significativa redução de custo e de tempo dos processos, as tecnologias digitais garantem a sustentabilidade e criam novas oportunidades de trabalho no campo, trazendo impactos econômicos, sociais e ambientais. A agricultura digital ajuda a diminuir os custos, agrega valor à produção e otimiza o uso dos recursos naturais, enfatiza Bolfe. O consumidor também se beneficia com maior transparência do processo e controle de qualidade dos produtos, a partir das técnicas de rastreabilidade, que permitem acompanhar desde a origem dos alimentos até a comercialização.
Pesquisas
A agricultura digital não é resultado só do uso das TIC, mas das convergências tecnológicas entre a biotecnologia, a nanotecnologia e a tecnologia da informação e da ciência cognitiva, e entre as geotecnologias, agricultura de precisão e internet das coisas. Envolve conhecimento de áreas multidisciplinares e dos mais diversos especialistas, como meteorologistas, cientistas da computação, matemáticos, estatísticos, biólogos, bioinformatas e outros profissionais, além dos tradicionais agrônomos.
Entre os projetos de pesquisa que a Embrapa Informática Agropecuária desenvolve na área de inteligência artificial e aprendizado de máquina, está o EcontaFruto, que em parceria com o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) busca automatizar a contagem de frutos em laranjais. Com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a partir de técnicas de visão computacional, pesquisadores também estão recriando plantas tridimensionais em laboratório e testando algoritmos (códigos de programas de computador) para identificação de culturas agrícolas. Esses resultados visam estimar volume e peso dos frutos, apoiando estimativas de safra e monitoramento de pragas e de deficiências nutricionais.
Outra pesquisa inovadora, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), usa drones para contagem de gado; a metodologia poderá contribuir para monitoramento do peso e da saúde animal. O Swamp (Smart Water Management Platform) usa a internet das coisas (IoT) para criar uma plataforma inteligente de gerenciamento de água em irrigação de precisão, em parceria com a União Europeia e coordenação da Universidade Federal do ABC (UFABC).
Tecnologias baseadas em IoT também serão testadas em fazendas-piloto produtoras de grãos, leite e em áreas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), num projeto em fase final de aprovação pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Sistemas inteligentes que combinam tecnologia espacial integradas a sistemas informatizados aplicados à agricultura são o foco da parceria da Empresa com a Visiona Tecnologia Espacial. As tecnologias geradas vão permitir avanços no mapeamento e monitoramento de áreas de produção agrícola e pecuária, além de áreas de conservação e ecossistemas ambientais.
Projeções
As Projeções do Agronegócio – Brasil 2018/2019 a 2028/2029, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, estimam que em dez anos a produção brasileira de grãos deve atingir 300 milhões de toneladas, sinalizando um crescimento de 26,8% em relação à safra atual. O aumento será por conta dos índices de produtividade, uma vez que, no mesmo período, a área plantada crescerá apenas 15,3%, com 72 milhões de hectares.
Também indicam que, no final desta década, serão produzidos 33 milhões de toneladas de carne de frango, bovina e suína, variação que representa um aumento de 27,3%. Segundo as projeções, há forte tendência de redução de área de pastagem nos próximos anos e também da mão de obra ocupada no campo.
Considerando a estimativa de crescimento da população mundial para 9,6 bilhões de pessoas em 2050, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), esses números são animadores. Entretanto, para alimentar esse contingente, a produção atual de alimentos precisa aumentar 70%.
Ainda de acordo com a FAO, para erradicar a fome no planeta até 2030, um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pela ONU, os sistemas agroalimentares deverão ser mais produtivos, eficientes, sustentáveis, inclusivos, transparentes e resilientes. As inovações e as tecnologias digitais são a grande oportunidade desta era, chamada de quarta revolução industrial ou 4.0.
Desafios
Para avançar na transformação digital, o país ainda precisa enfrentar enormes desafios em relação à infraestrutura e à conectividade no campo. De acordo com o Censo Agropecuário 2017, divulgado em 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), dos 5,07 milhões de estabelecimentos rurais existentes no Brasil, 3,64 milhões não têm acesso à internet, ou seja, 71,8% das propriedades. Apesar desse retrato adverso, os esforços para vencer a exclusão digital no campo têm gerado bons resultados. De 2006 a 2017 houve um crescimento de 1.900% no acesso à rede pelos produtores rurais, graças, principalmente, ao uso dos smartphones.
Uma das iniciativas do governo para melhorar a conectividade no meio rural é a Câmara do Agro 4.0, criada em 2019, quando foi firmado um acordo entre o Ministério da Agricultura e o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). O objetivo é implementar ações para expansão da internet no agronegócio, aumento da produtividade no campo e difusão de novas tecnologias e serviços inovadores nas propriedades rurais. A Câmara conta com a participação de representantes do setor produtivo e de instituições de pesquisa agropecuária e de tecnologia do país, como a Embrapa.
Outro desafio é a capacitação da mão de obra no campo, que deve sofrer um forte impacto com a automação e a informatização dos processos agrícolas. A agricultura digital pode desempenhar um papel relevante na sucessão rural, apresentando novas oportunidades para retenção dos jovens, acredita o pesquisador Édson Bolfe. “A maior conectividade no meio rural fortalece as ações de cooperativismo, a educação à distância, e a atração de mais jovens ao campo, potencializando o processo de sucessão rural nas propriedades”, exemplifica.