Há quase 25 anos, os autores Michael Treacy e Fred Wiersema escreveram “A disciplina dos líderes de mercado” (1997), em que analisam como as empresas podem superar seus concorrentes escolhendo 1 das 3 estratégias competitivas: excelência operacional, liderança de produto ou intimidade com o cliente.
Para ter sucesso, segundo eles, era preciso exceder em uma delas e ser bom o suficiente nas demais (afinal, não adianta ter liderança de produto se a empresa não tem eficiência na operação, por exemplo).
A empresa que não é nem uma coisa nem outra acabará padecendo, já que não tem o melhor produto, o melhor preço e nem oferece uma experiência diferenciada ao cliente. Por outro lado, ser excelente em tudo seria impossível, já que existem trade offs entre as opções (exemplo: dificilmente uma empresa que oferece intimidade com o cliente irá ter excelência operacional superior a alguém que busca principalmente essa estratégia).
A Apple, por exemplo, tem claramente a estratégia de liderança de produto que, aliás, não é só ter o melhor produto, mas também a percepção de marca melhor. A Harley- Davidson, com sua comunidade bem definida de evangelistas, não tem o melhor produto, nem a liderança de custos, mas oferece uma experiência única para o cliente. Já a Wal-Mart é reconhecido como uma empresa com elevada excelência operacional, com custos imbatíveis decorrentes disso. Elevada excelência operacional está sempre associada a custos finais mais baixos.
Hoje, quase 30 anos depois, essa classificação não é mais suficiente quando se fala da economia digital. Na verdade, a digitalização e tudo o que vem como ela permitiu aproximar a excelência operacional com a intimidade com o cliente, o que resulta em uma solução amplamente vencedora.
A Amazon, sem dúvida, é um exemplo clássico dessa mistura: todos concordarão que a excelência operacional da empresa, que permite distribuir qualquer tipo de produto em tempo recorde e a custos competitivos é sem dúvida notável, mas os algoritmos que recomendam produtos específicos para você, com base no seu comportamento de compra, refletem uma proximidade com o cliente nunca antes possível. Há diversos outros exemplos no mundo digital, que combinam isso (AirBnb, Spotify, etc).
Mas…e no mundo agrícola, como os conceitos de Treacy e Wiersema podem ser interpretados?
Em se tratando de commodities, a estratégia tradicionalmente vencedora é a estratégia de excelência operacional, isto é, produzir ao menor custo possível. Isso normalmente envolve aumento da escala de produção, o que explica, por exemplo, o fato de hoje cerca de 60% do leite nos Estados Unidos ser produzido por fazendas de mais de 1000 vacas, contra menos de 25% no ano 2000, uma mudança estrutural brutal que implicou na saída de milhares de pequenos produtores de leite. Ou a própria expansão da soja brasileira, calcada em grandes produtores no Centro-Oeste.
Há, no entanto, uma oportunidade crescente de diferenciação via produto e, de forma ainda embrionária, de intimidade com o cliente. A diferenciação via produto pode ocorrer por exemplo através dos nichos de mercado: orgânico, de pastagem, leite A2, produtos artesanais, com selos de certificação de bem-estar e meio ambiente, e por aí vai.
Ainda que sejam de fato nichos de mercado, estas estratégias de diferenciação ganham espaço e, mais importante, permitem uma remuneração superior, sendo fácil classificá-las dentro da estratégia de “liderança de produto” (observação: não estou entrando no mérito se são ou não produtos melhores, mas sim que seu posicionamento premium, servindo a consumidores dispostos a pagar um preço diferenciado, permitem classificá-los dessa forma).
A intimidade com o cliente é algo menos prevalente, mas há exemplos interessantes nascendo no cenário de produção e industrialização de lácteos. Sistemas que permitem a rastreabilidade total do produto até a fazenda.
Assim como ocorre no mundo digital, a confluência das diversas vertentes da tecnologia (geolocalização, capacidade de processamento e armazenamento de dados em nuvem, blockchain, biotecnologia, engenharia genética, entre outros) permite oferecer ao mercado novos produtos e modelos de negócio que aproximam a produção agrícola do consumidor, se possível em um modelo escalável.
Também podem ser exemplos (futuros) de proximidade com o cliente, embalagens com QR Code ou Apps que permitem que o consumidor acesse dados da propriedade em tempo real, e até veja imagens da produção em tempo real. Outro exemplo pode estar no co-desenvolvimento de produtos, em que o consumidor pode participar ativamente no seu desenvolvimento. Estes exemplos têm o potencial de oferecer uma experiência diferenciada ao consumidor.
Ainda que, no geral, as estratégias vencedoras do agro brasileiro residam principalmente na excelência operacional (e consequentemente na liderança de custos), a produção de leite traz uma realidade menos cristalina sobre como atingir cada uma das estratégias.
Um primeiro aspecto é que a excelência operacional no leite não necessariamente está ligada a maior escala, como ocorre por exemplo nos EUA ou Nova Zelândia. Isso ocorre porque há sistemas de produção distintos, sendo perfeitamente possível um produtor de menor porte ter um custo de produção mais baixo do que um grande produtor.
Um produtor eficiente no Sul do país, porém em pequena escala de produção, que emprega mão de obra familiar, por exemplo, pode ter um custo de operação menor do que um produtor Top 100 do Sudeste. Também, um produtor que tem como sistema a produção a pasto pode (novamente, “pode”) ter um custo menor do que um confinado, ainda que com menor escala1.
Posto isso, dentro de um mesmo sistema, por outro lado, é esperado que a escala traga até certo ponto vantagens operacionais do ponto de vista de custos.
Além da escala, há outras formas de se buscar a excelência operacional: automação quando fizer sentido econômico; compras coletivas (associações, clubes de compra), venda de leite via associações; compartilhamento de serviços e equipamentos; compra de insumos em épocas mais favoráveis e proteção contra flutuação de custos dos insumos, entre outras.
Voltando à questão da escala, um outro ponto particular daqui é que o aumento do volume produzido gera uma externalidade positiva de preços recebidos, algo que normalmente não ocorre nas commodities, mas ainda ocorre – e de forma significativa – no leite brasileiro. Assim, a maior excelência operacional que pode decorrer do aumento da escala traz também a vantagem de preços, o que posicionaria o leite dos grandes produtores na estratégia de “liderança de produto”.
Há evidentemente outras formas de alcançar a liderança de produto, que para facilitar nosso entendimento vou chamar de agregação de valor: genética reconhecida, que permite agregar renda ao negócio; qualidade do leite, do ponto de vista microbiológico e nutricional; produtos de nicho, como já comentado acima; liderança e influência do produtor no mercado, que permite vender o leite a um preço maior (aqui, a presença de produtores-influenciadores em mídias digitais pode ser uma estratégia interessante, ajudando também na excelência operacional ao permitir a compra de insumos a preços menores, em tese).
Assim como ocorre lá fora, a intimidade com o cliente como estratégia competitiva ainda engatinha quando se fala em produção e industrialização de leite no Brasil (alguém tem exemplos?). Mas deve crescer, à medida que a tecnologia chega e que os consumidores busquem cada vez mais acompanhar toda a cadeia de produção, até a origem de cada produto.
Quando se estuda com mais profundidade a produção de alimentos, conclui-se que existe vida além da excelência operacional e baixos custos, que é, sem dúvida, a estratégia dominante para a sobrevivência e crescimento quando se fala de commodities. Estas oportunidades, decorrentes da sofisticação do mercado consumidor e da tecnologia crescentemente embarcada na produção de alimentos, permitem ao produtor rural (incluindo o de leite) e à indústria de alimentos desenvolver outras estratégias competitivas de sucesso para o seu negócio.
Estratégias competitivas para o produtor de leite
E você, concorda com essa classificação de estratégias competitivas? Que outros exemplos podemos ter quando se fala de excelência operacional, liderança de produto e intimidade com o cliente?
Este texto foi escrito por Marcelo Pereira de Carvalho – diretor executivo da AgriPoint e coordenador do MilkPoint. Você pode conferir esta matéria na integra clicando aqui.