Equipamento multiusuário facilita seleção de insetos estéreis usados no combate à praga da fruticultura

Uma das estratégias usadas no controle biológico da mosca sul-americana, a Anastrepha fraterculus (espécie de mosca-da-fruta que danifica cultivos na região Sul do país, principalmente maçã e pêssego) é a esterilização de machos por irradiação de raios X ou gama. O procedimento tem como objetivo provocar uma diminuição na população desse inseto na natureza.

A esterilização é considerada uma alternativa econômica ao uso de inseticidas e iscas tóxicas. Antes da irradiação, as pupas (um estágio intermediário entre a larva e o inseto) passam por um processo de controle de qualidade, a fim de identificar e descartar aquelas de baixa viabilidade. O problema é que, tradicionalmente, essa análise é feita manualmente, com base na observação dos atributos morfofisiológicos. Mas, a olho nu, é difícil diferenciar pupas vazias ou mortas de pupas saudáveis – distinções como uma mudança de cor são sutis e podem passar despercebidas.

“Isso pode comprometer a eficiência do controle biológico, uma vez que pupas de baixa qualidade não se transformam em moscas estéreis”, explicou a agrônoma Clíssia Barboza da Silva, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena-USP) em Piracicaba. A ideia de aperfeiçoar o processo vem sendo colocada em prática pela pesquisadora ao aplicar um método mais seguro e preciso para analisar as pupas de moscas em larga escala de produção.

Com a ajuda de um aparelho chamado VideoMeterLab (VML), desenvolvido por uma empresa dinamarquesa, Barboza da Silva e sua equipe conseguem analisar imagens multiespectrais das pupas, possibilitando identificar com precisão alterações nos padrões de qualidade das amostras. A operacionalidade também é simples, basta colocar as pupas em uma placa de Petri e todo o trabalho é feito em cinco segundos, sendo que manualmente levava horas.

O equipamento tem 19 lâmpadas LED, cada uma emitindo comprimentos de ondas diferentes, como o infravermelho e o ultravioleta. A análise é feita por meio de reflectância, que é a fração de luz incidente refletida pela superfície do objeto investigado. As imagens das pupas geradas pelo VML mostram diferentes padrões de cor. Quanto maior o grau de reflectância, maior a qualidade da amostra.

Além de fornecer uma análise completa de vários aspectos físicos e bioquímicos das pupas de mosca, o VML funciona com um sistema de visão computacional, um tipo de inteligência artificial que consegue extrair informações de imagens simulando o funcionamento da visão humana. A tecnologia tem beneficiado, desde o ano passado, o controle de qualidade dos insetos estéreis enviados para produtores de maçã em Vacaria, Rio Grande do Sul.

A cidade gaúcha é sede da Estação Experimental de Fruticultura de Clima Temperado da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que firmou parceria com o Cena-USP no âmbito do projeto Moscasul, iniciativa lançada em 2013 pela empresa junto com a Associação Brasileira de Produtores de Maçã.

“Está sendo estabelecida uma biofábrica em Vacaria, mas, enquanto não é adquirido um irradiador para esterilização das pupas, a produção das moscas estéreis está sendo feita pela USP”, explicou o engenheiro agrônomo Thiago de Araújo Mastrangelo, também pesquisador do Cena-USP. As pupas irradiadas no laboratório do Cena são enviadas de avião, dentro de caixas de isopor refrigeradas a 15 ºC, cerca de três dias antes da emergência das moscas.

Na Embrapa, em Vacaria, as pupas podem ficar em caixas maiores, com acesso a água e alimentos (geralmente açúcar ou barras de mel). Dias depois, já adultos, os machos estéreis são liberados nos campos, onde copulam com as fêmeas selvagens, inviabilizando sua prole. Atualmente, são produzidos de 150 mil a 200 mil insetos por semana na biofábrica-piloto do Cena-USP.

“Sem a esterilização, ou qualquer outro método de controle, o impacto econômico dessa praga pode chegar a 40% da renda da produção”, disse Mastrangelo. “Trata-se de uma mosca que se multiplica em áreas de mata e depois invade pomares próximos – os de laranja, em São Paulo, e os de maçã, no Sul.” De acordo com o pesquisador, não há, por enquanto, indícios de que o controle biológico da mosca Anastrepha fraterculus cause algum tipo de impacto ambiental e ecológico na região.

 Bruno de Pierro  |  Agência FAPESP

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